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O Dom e a Maldição de Eminem

“Quer saber quais são as minhas inseguranças? Eu sou estúpido, imbecil, branco, feio, fedorento e idiota”, Eminem diz lá pelo meio de uma entrevista concedida no último andar do Hotel Península em Nova York. “Tenho sardas … e sou baixinho, sou branco, não sou muito esperto, eu quero me matar… o meu nariz é torto. E… tenho o pau pequeno”.

“Eu tô ferrado”, conclui, indo até a beira do telhado como se fosse pular. Essa é, afinal, uma das questões que todos, tanto fãs quanto imprensa, querem ver respondidas: Eminem está mesmo ferrado? Vai pular ou não vai? Será que fora do palco, longe do público e sem o microfone, o rapper é o mesmo cara que nas suas músicas fez piada ameaçando roubar as pernas de Christopher Reeve, estuprar sua própria mãe e matar um amigo traidor?

O astro pisca os olhos e diz: “Claro que isso não é verdade. O artista tem de manter um certo mistério em torno de si. Não quero que as pessoas saibam sempre se estou tirando sarro ou falando sério. Acredito que esse é o barato de criar e fazer música: deixar um certo mistério no ar para que as pessoas usem sua imaginação e façam o que quiserem com o que digo”.

Nas, outra estrela do universo rap, estava certo quando cantou o fascínio que os fãs têm pelo lado obscuro da música feita normalmente na periferia: “Você adora ouvir as histórias de como o pessoal da pesada vive na nóia”. Poucas coisas são melhores, na música pop, do que ver os grandes da fluxo-poesia como Nasir Jones, Tupac Shakur, Christopher Wallace e Shawn Carter se livrarem da invencibilidade de seus personagens indomáveis no palco, e se mostrarem diante do mundo completamente nus, nos encantando ao cantarem os suplícios de suas almas como em ‘Life’s a Bitch’ (a vida é foda), ‘So Many Tears’ (tantas lágrimas), ‘Everyday Struggle’ (a luta de cada dia) ou ‘You Must Love Me’ (você tem que me amar).

Eminem também não tem medo de sair de trás da cortina e se expor como Marshall Mathers, o homem que admite ter medo de ser comido vivo pelas suas inseguranças. Ele com certeza virou centro da controvérsia na indústria da música com refrões rebeldes como ‘The Real Slim Shady’ (o verdadeiro Slim Shady), ‘Kill You’ (mato você) e ‘Criminal’ (criminoso), onde usa com irreverência o palavrão “foda” da mesma maneira que Slim Shady.

Atrás da pose de boca suja surge o bom e velho rebelde, filho de pais separados que, segundo ele mesmo diz, “me fizeram acreditar que estava doente, o que não era verdade”. Marshall Mathers tem 28 anos, é um pai divorciado e sua vida gira em torno de dois grandes amores: a filha Hailie e o hip-hop. Como contra-peso, porém, Eminem também não esquece de Debbie, sua mãe, e Kim, sua ex-esposa, duas pessoas que o traumatizaram para o resto da vida. Marshall Mathers, “o maldoso e encantador novo Ice Cube”, atualmente uma das maiores estrelas pop do mundo, é um cara que quer ser reconhecido apenas como MC.

Mas até que ponto Eminem é realmente polêmico? Existem alguns versos em uma música de Nas que dizem que ele foi ao inferno quando tinha 12 anos por ter esmurrado Jesus. Se o Tupac realmente tivesse cumprido as ameaças feitas nos seus discos, praticamente metade da comunidade hip-hop teria levado muita porrada. Existe uma canção de Biggie que fala em assaltar mulheres grávidas. Mesmo Jiggaman sujou as mãos limpinhas ao contar como ele mesmo vendeu mais cocaína e disparou mais balas do que Al Pacino no seu famoso papel de Scarface. Ainda assim, para nenhum deles a barra pesou tanto por conta do conteúdo das letras quanto para Eminem.

“Eu não acredito ter dito nada diferente do que qualquer outro rapper já tenha falado na história do hip-hop”, desabafa. “Acredito que há essa atenção toda sobre mim porque eu estou ligado a esses garotos da periferia. Sabe, me pareço com eles e eles se identificam comigo. Me conectei a eles e os pais ficaram malucos por causa disso”.

“O cara é como nós, caga como nós e limpa a bunda como nós. Não tem diferença”, concordam Baby, Cash Money Millionaire e Big Tymer. “Ele não é nada mais do que um cara talentoso, um bom artista, que faz sucesso. Meus parabéns a ele. Adoro ouvir o que ele faz. É um puta cara talentoso. Quanto às polêmicas em torno da sua vida, não estou interessado”.

“Nunca vi falarem tanto de um rapper quanto de mim,” diz Eminem sarcasticamente, enquanto, 50 andares abaixo, as buzinas dos carros anunciam a hora do rush. “No começo eu ficava puto. Em cada artigo sobre mim que lia, tinha algo sobre essa controvérsia em torno das letras das músicas. Eu sempre me perguntava: ‘Por que não reconhecem primeiro o meu talento? Quando é que as pessoas verão o tempo que levo para criar e trabalhar uma música?’ Ficava mau com essas histórias, mas um belo dia disse para mim mesmo: ‘quer saber, fôda-se. Talvez eles estejam certos. Talvez eu seja ruim mesmo'”.

Tem algo que P. Diddy, ex-Puff Daddy, sacou há algum tempo: “Eu acho que muitos desses pensamentos ruins passam pela cabeça dos garotos, mas também acho que ele deixou claro que muitas das coisas que diz nas músicas não são para serem levadas ao pé da letra”, explica Diddy. “É como se ele estivesse falando sobre o que passa na cabeça das pessoas e, na cabeça dele, seja lá em que estado de loucura ela estiver, está se expressando de uma forma poética, sem maldade”.

Felizmente para Eminem, a juíza da Corte do Condado de Oakland (Michigan), Denise Langford Morris, também achou que ele não era um rapaz tão mau assim. Em junho passado, ela concedeu-lhe a liberdade condicional depois do astro confessar ter ameaçado publicamente um bombeiro com uma arma durante uma briga. Ele já havia sido julgado em abril do ano passado por ter dado uma coronhada em John Guerra, o homem que flagrou beijando sua mulher na porta de um bar em junho de 2000 (‘The Kiss’ (O Beijo), uma paródia no disco ‘The Eminem Show’, se refere a esse incidente).

“Não quero mais confrontar ninguém. Por um momento, achei que eu já era”, comenta Eminem sobre os seus problemas com a justiça. “Não sabia por quanto tempo, mas sabia que estava ferrado. Cada dia era uma coisa me ameaçando. Ainda bem que isso acabou, e acho que aprendi muito com essa experiência, que acrescentou algo na minha história”.

“Foi um alerta,” continua. “Tudo isso que aconteceu me conscientizou de que tinha de me acalmar, e que essa encrenca toda ia acabar uma hora ou outra. Meu maior medo era como explicar isso à minha filha, e o que faria se me condenassem à prisão”.

O MC, que ainda tem quatro causas judiciais pendentes, também ficou arrasado ao pensar que seria esquecido pelo mundo da música. Ele bate no peito e provoca todo mundo ao dizer no seu single ‘Without Me’ que o mundo seria um lugar pior sem Eminem, mas confessa que ficaria pra baixo se tivesse sido separado do seu público.

“Achei que ia ter que dar um tempo fora e o povo ia se esquecer de mim” continua. “Ninguém se lembra de alguns artistas que vão para a cadeia. Simplesmente esquecem o nome dele. Tudo o que você batalhou para conseguir, de repente, pode ir por água abaixo, assim, do nada. Foi terrível! Ainda bem que tudo isso acabou. Eu lavo as minhas mãos. Tô fora!”.

Isso não quer dizer que o autor do álbum ‘The Eminem Show ‘ tenha deixado para trás seu humor dark. “Amadureci muito, mais ainda gosto de fazer palhaçadas e me divertir”, diz ele. “Me divirto no meu trabalho. O dia que não for assim, largo tudo”.

Assim como o disco ‘The Marshall Mathers’ mostrou ao público o personagem Eminem, este álbum paradoxalmente nos reapresenta alguém de quem havíamos nos esquecido.

Esse é Marshall Mathers, o incompreendido especialista em rimas. Um cara que quer ver você se identificar com a dor dele. Essa é a proposta do seu novo disco: fazer você se sentir como ele. Isso vale especialmente na música dedicada à sua filha, ‘Hailie’s Song’ (Música da Hailie). Outros casos em que sua narrativa confirma essa busca são a angustiada ‘Say Goodbye, Hollywood’ (diga adeus, Hollywood) e a carta aberta ao seu pai ausente, ‘Cleanin’ Out My Closet’ (Limpando Meu Armário), que possui um trecho que diz: “Just try to envision (Tente imaginar)/ Witnessin’ your momma poppin’ prescription pills in the kitchen (Ver a sua mãe tomando pílulas na cozinha)/ Goin’ through public housin’ systems (Passando pelo sistema público de moradia)/ a Victim of Munchausen Syndrome (Vítima da Síndrome de Munchausen)/ My whole life I was made to believe I was sick when I wasn’t (A minha vida toda me fizeram crer que estava doente quando não estava)”.

“Honestamente, não existe relação entre mim e a minha mãe,” explica Eminem. “Nunca houve uma relação de verdade, mas essa música é como se fosse o encerramento dessa história toda”.

‘The Eminem Show’ é o que ‘I Am’ (disco que está nas lojas) foi para Nas, ‘Me Against the World’ foi para Tupac, ‘Life After Death’ foi para Biggie e ‘The Blueprint’ foi para Jay-Z. Todos esses álbuns captam perfeitamente um momento crítico na vida de seus autores.

“Acho que realmente amadureci. Mais do que tudo, quis mostrar neste álbum o meu crescimento como artista”, diz Eminem. “Para poder permanecer nesse meio, a gente tem de crescer e se reinventar, se renovar o tempo todo. Especialmente no meio do hip-hop, que vive mudando e atingindo novos níveis”.

“É isso aí”, concorda Rakim, rapper da mesma gravadora que Eminem e o cara que mais briga na hora de pegar o microfone. “Ele está satisfeito, sabe como chegar lá e com certeza tem aprimorado as suas qualidades. O seu álbum é doído. É o velho Eminem, mas ele está ainda melhor. O seu estilo está ainda mais malicioso, conseguiu colocar novamente as suas habilidades em jogo”.

E, assim como Nas, 2Pac, Big e Jay se tornaram lendas do hip-hop desta geração com os trabalhos mencionados acima, Mathers espera que este disco o coloque entre os grandes da atualidade. Alguns dos seus pares acham que ele não está muito longe disso. Jay-Z quer a presença de Eminem em ‘The Blueprint’, e Lil’ Kim tem implorado publicamente para que ele apareça no seu próximo álbum.

“Vai depender do que acontecer com o meu disco, vamos ver”, afirma o astro, que se refere à falta de reconhecimento num dos seus raps, ”Till I Collapse’. “Vamos ver se vão me respeitar. Acho que fui reconhecido, obviamente tenho vendido discos, mas não sou reconhecido pelas músicas que mais gosto, pelas rimas que fiquei elaborando horas e horas. Muitas das rimas que compus em 10 minutos serão reconhecidas, mas eu paro e penso: ‘Pô, não é isso que eu mais curto’. Muita coisa boa parece passar despercebida”.

“Poeticamente ele está entre os melhores,” garante Diddy, que produziu discos para Big, Nas e Jay-Z. “Ele conquistou respeito. Quem vai dizer que ele não é um cara quente? Ninguém precisa armar um campo de batalha por causa de um disco. Ele tem um estilo único. Esse cara é importante no jogo”.

“Eu não sei se o ouvinte médio realmente percebe as estruturas e as rimas das sílabas e coisas assim ,” comenta Eminem. “Não sei até que ponto eles entendem isso. Acho que eles só curtem o ritmo ou então as letras. Mas tem algo na forma de compor. Na maneira como eu escrevo, o Jay-Z escreve, o Nas escreve. Não sei, eles fazem parecer fácil, então o ouvinte médio pode pensar que é fácil. A verdade é que todo mundo estaria fazendo hip hop se fosse tão fácil assim”.

Texto e entrevista de Shaheem Reid e Sway Calloway

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